O corpo anoréxico assume uma posição de destaque no cenário social. Ele representa, ao mesmo tempo, um meio de comunicação assustador, um enigma e um incômodo. Enquanto meio de comunicação é este corpo excessiva, preocupante e assustadoramente magro que comunica e denuncia a presença da doença. Enquanto as bulímicas passam totalmente despercebidas sob o olhar alheio em função de apresentarem peso normal ou sobrepeso, é impossível o corpo anoréxico passar despercebido ao olhar dos outros.
Portanto, de início, o corpo é quem define os parâmetros diagnósticos do transtorno, e é quem comunica que esta pessoa é anoréxica. Ele comunica uma diferença significativa em relação aos demais, diferença esta que deve ser vista e tratada caso se deseje que a anoréxica mantenha-se viva. Pois, este corpo está “namorando” com a morte através do seu constante definhamento. É a magreza doentia deste corpo e a proximidade de morte do mesmo quem definem a doença e a necessidade de tratamento.
Em função da enorme diferença na forma e peso destes corpos em relação aos ditos da “maioria”, eles comunicam algo da ordem do assustador, do medonho e do bizarro. A mensagem que recebem de volta dos observadores são olhares de perplexidade, incompreensão, pena e até repulsa de seus corpos.
O corpo anoréxico comunica enigmas aos observadores. A magreza cadavérica e quase mortífera faz questões: “porque será que esta pessoa não come?”, “como pode ficar tão magra a ponto de estar quase morta?”, “será que não vê que está muito magra?”, “como pode não desejar comer?”, “será que não vê que está doente?”, entre outras.
Na verdade, estas questões parecem sintetizar-se em uma questão em particular: “Como podem não desejarem (comer, ser atraentes, ter saúde, viver, etc.)?”. Para aqueles que não são anoréxicos, para quem o desejo costuma ser bem caro, é difícil compreender e aceitar uma quase ausência de desejo. E digo “quase ausência de desejo” porque esta, na verdade, parece abafar, entre outras coisas, um desejo específico de controle sobre si e sobre os outros.
E esta forma particular de desejo, expressa através do corpo, revela a angústia que o olhar alheio lhe causa em função de sua necessidade de aprovação e amor. Quando o olhar do outro lhe comunica que está muito magra, ela rejeita veementemente tal juízo, considerando-o absurdo. Em contrapartida, a possibilidade de ficar gorda para o olhar do outro é simplesmente repugnante. Assim, o olhar alheio é sempre incômodo, persecutório e distorcido.
Na verdade, esta incongruência e incômodo em relação ao olhar do outro sobre seu corpo se faz presente principalmente no seu próprio olhar sobre o mesmo. O corpo doentiamente magro é visto, por elas, distorcidamente gordo no espelho, e esta imagem é fonte de enorme angústia. Portanto, tanto o olhar do outro quanto o seu são considerados por elas como um reforço para uma busca constante e angustiante por um corpo magro e contido. O corpo, então, é fonte constante de incômodo e desejo de controle.
No entanto, é importante ressaltar que este desejo de controle do corpo parece abafar, na verdade, um desejo de controle mais amplo: o desejo de controle sobre a angústia de castração. O corpo, que à primeira vista parece ser a questão central na anorexia, é, na verdade o agente utilizado por ela para tentar controlar sua angústia de castração. Esta pode ser compreendida como uma experiência psíquica fundante descrita por Freud e que se refere, a grosso modo, ao contato com um vazio existencial presente em todos nós e do qual buscamos nos defender, dando origem às estruturas de nosso psiquismo: neurose, psicose e perversão.
A anorexia, portanto, parece representar uma forma particular e problemática de controle da angústia de castração através da busca de controle sobre o corpo. Digo problemática porque falha, já que o conflito é desviado da fonte original para o corpo. Esse desvio se dá em função de que é mais fácil exercer o controle sobre o peso corporal, o apetite e a ingestão de alimentos do que sobre a angústia presente nas relações com as pessoas, na morte e no envelhecimento - nossas principais e inevitáveis fontes de angústia e mal-estar, segundo Freud.
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