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Foto do escritorAlan de Paula

A Angústia da Escolha Profissional: entre o sofrimento psíquico e a decisão serena.


A Angústia da Escolha Profissional: entre o sofrimento psíquico e a decisão serena.


O momento de se preparar para entrar numa universidade geralmente é vivido com muita angústia pelos jovens. A angústia, em questão, sinaliza conflitos cruciais em suas vidas. Alguns conflitos são inerentes ao momento psíquico (adolescência) e concreto (entrada no mundo profissional) que estão vivendo. Outros representam o fato de terem que dar conta de uma carga de desejos e expectativas que não são suas (normalmente dos pais). Há, ainda, aspectos conflituosos decorrentes da nossa época, especialmente a variada oferta de opções de escolhas e o mito da auto-realização a partir da escolha pela paixão.

No que se refere aos conflitos inerentes, a adolescência, por si só, já é um momento particular e muito significativo de conflitos na vida de praticamente todos nós. Compreendida como um processo psíquico que em nossa época leva vários anos (sim, nem sempre foi assim) e que, em alguns casos, parece não ocorrer de forma completa (os adultos-adolescentes), a adolescência é carregada de angústia, primeiramente, pelo fato de o adolescente está tentando sobreviver da melhor forma possível ao bombardeio de sensações e vivências de um corpo em constante transformação que não encontra, em seu psiquismo, nenhuma referência própria de representação desse corpo. Ou seja, ele terá que achar uma forma de dar sentidos, de inserir no campo social, todas essas vivências do Real do seu novo corpo, todas essas mudanças que os hormônios lhe impuseram. Mudança de voz, surgimento de pêlos no corpo, menstruação, sêmen, crescimento dos seios, são novidades inquietantes que carregam consigo outros fatores angustiantes como o interesse amoroso e sexual e a possibilidade de gerar filhos (maternidade/paternidade). Isso sem contar as outras transformações angustiantes por que os jovens tem que passar nesse momento, como: afastamento dos valores dos pais, busca de uma identidade própria, questionamento das regras familiares e sociais, só para citar algumas.

A adolescência também é um processo crítico por ser um momento em que o jovem alcança seu ápice em termos de potencialidades mental e física, mas sem poder ainda dispor de recursos financeiros próprios para poder decidir como vai direcionar essas potencialidades (essa, inclusive, é uma das causas da delinquência na adolescência). Assim, tornar-se independente financeiramente é uma questão central da adolescência: o jovem sabe que chegou a hora de começar a se haver com o imperativo de se sustentar financeira e psiquicamente. E escolher bem seu curso e profissão passam a ser decisivos como garantia de um futuro de felicidade e bem estar. E escolher em curto período de tempo algo que, à princípio, é “para a vida toda” certamente não é algo fácil.

Uma escolha como esta, como qualquer outra importante (amorosa, de conduta moral, etc) que tenhamos ao longo da vida, causa angústia porque, como se diz no senso comum, “carrega uma renúncia”. Escolher é renunciar, é aceitar deixar algo, que também se queria, de fora. Mas é, também, aceitar o que não se gosta naquilo que se escolheu em nome de algo maior. Ou seja, é renunciar algo bom e aceitar algo ruim. Por exemplo, se escolho buscar ser um executivo de sucesso, preciso, ao mesmo tempo, deixar aquele sonho de ser guitarrista em segundo plano, e, ainda, precisarei levar em conta e sustentar que, para alcançar esse objetivo, terei que trabalhar 14 horas por dia, ter pouco tempo para a família e lazer,...etc.

Acontece que muitos desses jovens se angustiam e se travam com o fato de não saberem se querem deixar aquele outro sonho para trás, e se querem, realmente, pagar o preço das dificuldades do que vierem a escolher. Alguns, inclusive, não conseguem sair desses impasses e ficam mudando de curso inúmeras vezes acreditando que existe “A Escolha Certa”, livre de dúvidas, exatamente como pensam os neuróticos obsessivos. O que não quer dizer que mudar de curso, se permitir fazer uma nova escolha, não possa ser algo proveitoso e saudável. Certamente pode ser em inúmeros casos. A questão é: porque se está mudando?

Um outro aspecto angustiante refere-se à “quem está escolhendo”. Ainda hoje, muitos jovens escolhem cursos/profissões para dar conta dos desejos e dos narcisismos dos seus pais. Em outras palavras: “quero que meu filho/a seja tudo aquilo que não fui”, ou “quero que seja uma continuação de mim” (dê continuidade à tudo que desejei, que construí, aos meus esforços….). Ou ainda, “se eu abri mão dos meus sonhos e desejos para assumir o escritório da família, porque ele não vai fazer o mesmo?!”. Em todos esses casos, a escolha não é do sujeito. Ela visa dar conta de tentar tamponar uma falta existencial do outro realizando o seu desejo irrealizável. O que não quer dizer que as escolhas dos jovens não possam confluir, de alguma forma, com o desejo (irrealiźável) desses pais. É o que ocorre, por exemplo, nas escolhas por identificação: “admiro meu pai que é um grande advogado e gostaria de ser como ele, e por isso vou me tornar advogado”. Aqui, há uma escolha por parte do sujeito.

Por outro lado, sustentar sozinho uma escolha profissional não deixa de ter seu potencial angustiante. Primeiro porque não há a quem culpar se der errado (a escolha foi pessoal), e, segundo, porque a gama de opções de cursos na atualidade é cada vez maior, e quanto maior o número de possibilidades, maior o número de opções que deixarei para trás. Essa é uma das principais angústias modernas: sustentar sua liberdade de escolha, se responsabilizar por ela. Até o śeculo 17, muitas escolhas morais (inclusive de profissão) eram baseadas a partir do passado de cada um. Por exemplo, se você era filho de um ferreiro, era muito natural se tornar também um ferreiro, e tudo bem. Assim, o passado definia o seu presente, as escolhas eram feitas à sua mercê. A Era Moderna trouxe consigo o valor da liberdade de você se definir e construir: onde quer morar, com quem quer se casar, com o que quer trabalhar, ...etc. Assim, aquilo que você quer para o seu futuro passa a definir suas escolhas no seu presente: o futuro passa a definir o seu presente.

Portanto, ter a liberdade de escolher o seu futuro, apesar de ser libertador, é também angustiante. Pois, exige que respondamos duas questões: “o que desejo para o futuro?” (quais os meus desejos?) e “o que posso realizar bem no futuro?” (quais as minhas potencialidades?). Temos portanto duas formas de abordar o assunto.

Comecemos pela questão do desejo. A partir do momento em que preciso decidir sobre minha vida (já que não há mais, necessariamente, uma determinação pela tradição), eu não posso parar de me perguntar o que eu desejo. O problema é sabermos o que se deseja, onde se encontra em si esse desejo que guiará a escolha profissional, se é um desejo só ou se são vários e saber disso a tempo de fazer a escolha. Na verdade, o que se observa a partir da clínica psicanalítica é que o desejo não é uma coisa que se encontra em alguma parte escondida do cérebro, não existe enquanto algo concreto. O desejo é uma pergunta sempre em aberto buscando ser respondida, mas nunca totalmente esgotada. Ele é uma coisa que se inventa entre o acaso, a sorte, as oportunidades e os encontros. Portanto, escolher uma profissão a partir de um desejo pode ser uma tarefa árdua e sofrida para muitas pessoas.

Assim como pode ser muito desafiador e complexo transformar em trabalho um hobby, uma paixão. Pois, ser apaixonado por algo, gostar de um hobby, não quer dizer, necessariamente, que sejamos bons naquilo. E isso pode trazer um sofrimento caso se pretenda ter um reconhecimento pelo seu trabalho e/ou um retorno financeiro satisfatório. Por exemplo, eu posso amar jogar futebol e amar, mais ainda, a idéia de jogar profissionalmente por um grande time, ganhar muito dinheiro, ser famoso e aclamado por um estádio cheio. Mas, minha competência futebolística me permitirá alcançar, no máximo, um time de segunda divisão da minha cidade. Será que nesse caso vale a pena seguir minha paixão? Serei realmente feliz com essa escolha?

Porque não manter essa paixão como um hobby? Para muitas pessoas abrir mão da sua paixão, ao escolher uma profissão, representa uma traição a si próprio. Com a Contemporaneidade, nos tornamos reféns de uma espécie de dolorosa exigência cultural de se realizar ou de realizar o nosso desejo sem que saibamos muito bem o que devemos realizar e no que devemos nos realizar. Essa exigência cultural, esse mito diz que é muito importante sabermos o que desejamos, porque o segredo para viver bem e ser feliz seria fazermos aquela coisa que a gente gosta, e se escolhermos uma profissão que corresponda à nossa paixão, seremos felizes. Portanto, escolher algo diferente da nossa paixão representa uma traição ao nosso desejo, e se tivermos sucesso é porque vendemos nossa alma ao Diabo do Capitalismo, abrimos mão de nós mesmos. E ficamos com aquela sensação de que devíamos estar nos dedicando a alguma outra coisa que não sabemos muito bem o que é. Esse sentimento é uma forte fonte de culpa e sofrimento. Uma das consequências disso é que o trabalho passa a ser percebido como algo ruim, e o ócio e a aposentadoria como formas de resgate de algo fundamental em nós e que abrimos mão. Esse é um dos motivos de muitas pessoas hesitarem e demorarem para entrar na vida concreta de trabalho.

Então, se partir do desejo e da paixão para escolher uma profissão não são garantias de bem estar, uma outra possibilidade é pensar sobre quais são as minhas potencialidades, o que posso realizar bem profissionalmente. Esse tipo de escolha tem uma vantagem de potencializar a sensação de reconhecimento, que é uma grande fonte de bem estar. Lacan, o grande psicanalista francês, nos disse que nossa demanda é sempre de amor. Ou seja, estamos sempre escolhendo, nos comportando, movendo em busca de amor, de reconhecimento. Ser visto é uma das primeiras experiências de prazer do ser humano, e seu contrário, ser ignorado, uma das principais fontes de angústia. O bebê para ser cuidado, alimentado e obter prazer precisa ser olhado por quem lhe cuida. É também, principalmente, pelo olhar que o bebê apreende o mundo ao seu redor e que lhe dá uma certa sensação de controle desse mundo. Não ser visto, por outro lado, representa um risco de passividade insuportável e de sua aniquilação. Portanto, a experiência de reconhecimento é tão fundamental no ser-humano e continua com ele, em maior ou menor grau, por toda a sua vida sendo uma forte fonte de prazer.

Contudo, reconhecimento não quer dizer simplesmente receber elogios, mas ter um retorno prazeroso, recompensador de suas ações. Assim, saber o que posso realizar bem (que potencialidades tenho para realizar algo de forma satisfatória) aumenta a possibilidade de obter reconhecimento (o que não quer dizer necessariamente fama) e, com isso, bem estar.

Portanto, pelos motivos acima descritos (e por vários outros que poderiam aqui ser tratados), penso que o ato de escolha profissional pode representar uma importante fonte de angústia para os jovens. Alguns conseguem, seja porque motivo for, atravessar sem arranhões essa travessia nebulosa. Outros, contudo, podem apresentar inúmeros sintomas psíquicos que vão se somar à angústia inerente ao momento, potencializando seus sofrimentos. Para estes, vale um olhar cuidadoso que lhes permitam escolher melhor e com mais serenidade.

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